As Crônicas de Julia & Aline

Bem, esse é o espaço criado para as nossas histórias. Feitas por nós. Exigimos o copyright! (?) Esperamos que goste. (Leia com moderação)

Sweet Finland



Julia Lemes & Aline Sicsu


Quando Um Estranho Te Acompanha Até Em Casa 
                                                                                                                              Capítulo I
     Na cidade onde eu moro, apesar de ser de litoral é sempre bastante frio. A maioria dos dias por aqui é assim. Eu moro com a minha avó e meu irmão mais velho, e meu pai quase nunca está em casa, pois trabalha em laboratório, algo assim. Enfim, tudo é sempre muito monótono por aqui. A não ser quando eu caio, ou algo do tipo. É quando todos se reúnem pra rir de mim. Quando se é uma pessoa como eu, coisas assim sempre acontecem. Quando eu digo ‘pessoa como eu’, eu me refiro a pessoas extremamente desastradas. Coisas inusitadas acontecem comigo, e no fim das contas, eu sempre acabo machucada. Mas eu já me acostumei, de certa forma, apesar de que nos últimos tempos, os acidentes tem se tornado mais graves. Se você também é assim, e atrai todo tipo de azar, fique de olho. Talvez tenha um Deles atrás de você. Acredite, se você se encaixa nesse perfil, apenas finja que nunca leu isso, e continue a sua vida. É sério, você não vai querer se envolver com isso.
 Era de manhã, e a luz entrava mansa pelas falhas da persiana na janela do quarto.
     Devia estar fazendo uns 2°C lá fora, e a minha cama quentinha me implorava pra continuar nela. Eu não lembrava com o que eu tinha sonhado, mas com certeza não era coisa muito boa. Estava tentando pensar em alguma coisa boa pra sonhar, já que não tinha a mínima intenção de levantar, o que era estranho, uma vez que eu já deveria estar de pé. Nunca confie em mim de manhã cedinho. Eu não raciocino direito, e falo besteiras, coisas completamente sem nexo como se eu estivesse em qualquer outro lugar no espaço, menos na Terra. E ultimamente eu vim tendo uns sonhos estranhos, chegando até a ser perturbadores. Então, me parecia uma ótima idéia pensar em algo melhor pra sonhar. Meus braços e pernas ainda doíam, por causa do trabalho de ontem. Eu arranjei um emprego, há uns dois meses atrás. Eu sou uma meio secretária, meio empregada. Atendo telefonemas, anoto recados, faço café, limpo as mesas... coisas assim, mas que me garantem um dinheirinho no final do mês, apesar de a minha avó me obrigar a pagar uma conta por mês, sobra sempre um trocadinho. Então, alguém bate na porta do quarto.
– LUMI! Você vai se atrasar pra sua aula de novo! – gritou minha avó.
– O quê? Que horas são? – Eu me levantei num segundo, sem raciocinar direito ainda. Corri até a persiana traiçoeira, e a levantei. Uma luz intensa invadiu meu quarto. – Ai meu Deus, que horas são?
– São 07:45 hrs! Tem 15 minutos, menina!
     É, eu estava cansada. Conciliar escola e emprego nem sempre é uma boa idéia, mas se eu me atrasasse mais uma vez, o Sr. Räikkönen disse que me daria uma suspensão. Suspensão significa dois dias sem aulas. E eu não podia me dar ao luxo de faltar de novo, uma vez que meus atrasos já me deram tantas suspensões no ano, que se eu faltasse mais uma vez, perderia o ano. Então sai correndo atrás de uma roupa qualquer, e de repente, bato meu dedinho na quina da cama. É, minha série de desastres tinha começado cedo hoje. Eu vesti o meu uniforme, calcei meu All Star velho, escovei meus dentes rápido e fui pra cozinha. Procurei um pacote de bolachas recheadas nos armários, dei um beijo na minha avó, e saí. Nem me preocupei em pentear meu cabelo, deveria estar como um ninho de pássaros. Juro que me senti tremendamente imunda por isso. Quando coloquei os pés pra fora de casa, percebi que faltavam 10 minutos pra o início das aulas, o que me fez pensar ‘legal, novo record, se arrumar em 5 minutos’, mas eu ainda tinha direito a 15 de tolerância. Se eu desse muita sorte, conseguiria pegar o ônibus. Pensei em correr, mas aquilo me parecia arriscado demais. Da última vez que eu corri, acabei com a cara arranhada, no chão. Então decidi que seria melhor se eu simplesmente andasse mais rápido. Liguei meu celular, e coloquei Coffe, de Copeland pra tocar. É uma ótima música pra se ouvir de manhã. Mas meu celular descarregou, e eu o joguei pra dentro da bolsa.
     Quando cheguei no ponto de ônibus, uma senhora me disse que o meu ônibus tinha acabado de sair. Da minha casa pra escola, não era tão longe assim. Talvez se eu corresse, eu chegasse a tempo. ‘Será?’ pensei. De qualquer forma, não tenho opções. Ajeitei minha mochila nas costas, e acelerei os passos. No começo, era como se eu estivesse aprendendo a andar, ou coisa assim. Minhas pernas tremiam. Mas conforme eu fui tomando velocidade, e pegando equilíbrio, já não me parecia assim tão assustador. Faltavam uns 100 metros pra eu chegar na escola, e vi o senhor Halonen fechando o portão.
– Nãããããããããão! – eu gritei. Mas nesse exato momento, minhas pernas se confundiram, e eu fui de encontro ao chão molhado.
– Menina, cuidado! Espera aí... você? Atrasada mais uma vez? – disse o senhor Halonen, me ajudando a levantar.
– Sr. Halonen, me deixa entrar, por favor. Se eu pegar suspensão de novo eu perco o ano!
– Tudo bem. Mas tá tendo uma reunião no auditório. Entre discretamente, e reze pra Sr. Räikkönen não te ver.
– Ok. Te devo essa.
Eu entrei no auditório, sorte que o diretor não viu. Mas quando as pessoas da minha sala viram a minha roupa suja de lama, começaram a me zoar.
– Esqueceu do seu banho matinal, foi? – riam.
     Eu nem ligava mais, eles sempre me zoavam mesmo. As aulas se passaram, eu quase dormi na aula de literatura, e não fiz o dever de física. Minhas notas estavam ruins, mas eu simplesmente estava ocupada demais, patetando o tempo todo, olhando para o jeito que a árvore do lado de fora da sala dançava conforme o vento. A aula terminou, e eu tinha que trabalhar. Foi como qualquer outro dia ruim, no trabalho. Telefonemas o dia todo, e me pediram pra arrumar umas pastas de papéis. Detalhes, as pastas estavam mais pra arquivos. Cada uma tinha uns 40 cm de altura, e era pra eu organizá-las de A-Z. Mas eu não reclamei, apenas comecei a arrumar.
     Eu não vi o tempo passar. Geralmente eu largo tarde mesmo. Faltava apenas o arquivo Z pra arrumar, e eu dei uma arrumadinha básica e guardei. Quando olhei pro relógio já eram 23:25 hrs. Isso é, 25 min atrasada. Eu corri pro banheiro, tirei o uniforme da empresa e fui embora. Já era muito tarde, e eu estava sem celular. Provavelmente minha avó arrancaria minha cabeça ao chegar em casa.
     As ruas estavam pouquíssimo movimentadas, e não havia ninguém além de um rapaz na parada de ônibus. Ele era magro, pele clara, cabelos escuros. Vestia um swetter escuro, mas não consegui distinguir a cor, se era preto ou azul escuro. Usava uma calça jeans, e coturno. Eu fiquei um pouco à frente dele, mas senti o peso do olhar dele sobre mim. Em condições normais, isso me faria correr desesperadamente, tropeçando em qualquer coisa pela frente, ou dando de cara com postes, mas, estranhamente, eu senti que não precisava me preocupar.
– Hm, hã... licença. Você está aqui a muito tempo? – eu perguntei, fitando o rosto do rapaz. Ele de alguma forma não me era estranho. Mas fui pega de surpresa ao olhá-lo nos olhos. Eles eram de um azul-gelo intenso, senti um leve rubor em meu rosto, mas procurei disfarçar.
– Eu cheguei uns cinco minutos antes de você. – ele disse.
– Ok. – e olhei pra frente de novo, mas não conseguia me acalmar. A presença dele me causava inquietação. Mas não uma inquietação ruim, uma boa, se é que isso é possível.
– Eu acho que não vão mais passar ônibus – ele disse.
– Quê? Não, não, tem que passar! Não dá pra eu pegar o metrô pra ir pra casa – eu disse, num tom desesperado.
– Mas acho que não vão. Já terminou o horário dos ônibus passarem... – ele disse fitando meu rosto.
– Ahn não... eu preciso mesmo estar em casa o mais rápido possível! – eu falei alto. Me arrependi logo em seguida, eu não queria que ele pensasse que eu era uma louca, ou algo assim.
– Onde você mora? – ele me perguntou num tom desinteressado.
– Moro à uns dez ou onze quarteirões daqui. – eu disse, quase choramingando.
– Doze. – ele me interrompeu.
– Ahn?
– Hum, hã... – ele me pareceu surpreso. – doze... você pega o ônibus doze, certo?
– Sim, é uma das opções – eu disse, olhando-o nos olhos.
– Se você quiser, posso levá-la até sua casa. – ele disse, com um tom carinhoso no olhar. Ele não me era estranho, mas eu jurava que nunca o tinha visto, ou falado com ele. Mas naquele momento, ele me passou confiança.
– Não precisa, não quero incomodá-lo. – tá, eu confesso que queria. Queria nada, eu precisava. Naquele momento, pode parecer idiota, mas eu imaginei se ele era um anjo.
– Não seria um incômodo. Não posso deixá-la sozinha aqui, é tarde. E a minha casa fica uns quarteirões depois do seu mesmo, de qualquer forma, não seria um incômodo.
– Bem... então, por favor. Por favor. – eu tive medo, de parecer um cachorrinho pedindo comida, mas ele simplesmente me dirigiu um sorriso carinhoso, iluminado de leve com a luz da lua. Corei de novo, e torci pra que estivesse escuro o suficiente pra ele não ter percebido.
     Tomei a frente, abaixei a cabeça e fui andando. Realmente estava muito frio, você não faz idéia. E se acha que sabe o que é frio, você não sabe. Poderia passar uns dias em Helsinki, e descobriria o que é frio. Eu podia ver a fumaça da minha respiração, e meu nariz estava congelado. Eu podia o sentir olhando pra mim, mas de alguma forma, ele não me parecia ameaçador. Apesar da inquietação, eu de certa forma confiava nele. Estava tudo indo muito bem, a única coisa que se ouvia era o barulho dos nossos sapatos arrastando no chão molhado com um pouco de neve suja. Até que de repente, eu piso no limite da calçada com a rua, torço meu pé e caio do chão. Sinto a mão dele em minhas costas.
– Ai, droga – eu disse, buscando meu tornozelo dolorido.
– Ei, cuidado. Machucou? – ele disse, tirando a minha mão do tornozelo e olhando pra ele.
– Não, está tudo bem. Coisas assim sempre acontecem. – eu disse, tentando enganar a dor.
– Deixe-me ajudá-la a levantar – ele pegou meu braço e o passou por cima dos ombros dele.
– Erm, não precisa...
– Shh.
     Ele me levantou, e eu encostei meu pé no chão. Doeu um bocado, mas eu já tinha tido quedas piores. Eu andei mancando um pouco.
– Quer ajuda...
– Não, não. Vou ficar bem. – eu o interrompi.
     Continuei andando, ou melhor, mancando, e ele logo atrás de mim. O brilho da lua passava tímido por entre o céu nublado, e estava mais frio ainda. Enfim, chegamos na esquina da rua da minha casa. Eu não sabia como agradecer, até ali ele só tinha me ajudado, e eu só tinha dado trabalho pra ele.
– Muito obrigada, mesmo.
– Não foi nada. E não se atrase mais no seu trabalho. E cuidado com esse tornozelo. – ele disse, virou, e foi embora. Enquanto ia andando, eu fiquei observando o andado dele, até sumir. Mas, como ele sabia que eu tinha me atrasado no trabalho? Eu estava tão cansada, que não parei pra pensar.
     Entrei em casa, ouvi mil e uma coisas da minha avó, mas não liguei muito. Tomei um banho quente rápido, vesti uma camisola leve, sentei na cama, e fitei o chão, confusa. Qual era o nome dele? Eu nem ao menos perguntei o nome dele. Mas eu resolvi não me preocupar muito com isso. Somente ficava lembrando do jeito como ele me tratou, e como era bonito na luz do luar. Então adormeci.